O Avanãƒâ§o Da Tecnologia Como Um Problema Para a Arte

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Existe o predomínio de uma determinada visão que coloca arte e cultura de um lado e tecnologia de outra, como se fossem inimigas. Essa visão na arte surge no Romantismo e é acentuada a partir da Revolução Industrial (Hauser, 2003). Os produtos industriais passam a adquirir caráter estético e a competir com a arte. É nesse momento que se fortalece a Estética como teoria que fundamenta a obra practice artista separada de outros setores da vida e da cultura.

O artista e a arte reivindicam sua autonomia due east independência em relação a outros setores da sociedade, e passa a prevalecer o que chamamos de "arte pela arte". Ganha força a ideia exercise artista como criador individual, muitas vezes como gênio inspirado. O trabalho artístico adquire caráter essencialmente private e com forte cunho subjetivo.

Essa dicotomia gera polêmica ainda hoje: ainda se discute se a fotografia, o cinema, o vídeo e a televisão, a computação gráfica e bone produtos gerados por essas tecnologias são arte ou não; essas pessoas esquecem-se de que arte e tecnologia sempre estiveram de mãos dadas. Em todos os períodos da História da Arte as evoluções técnicas influíram na arte. Bone mosaicos, a pintura a óleo, as gravuras, foram técnicas east procedimentos inéditos em seu tempo. Os artistas sintonizados com sua época acompanharam essas mudanças e incorporaram as novas tecnologias em suas obras:

A história da arte não é apenas a história das ideias estéticas, como se costuma ler nos manuais, mas também e sobretudo a história dos meios que nos permitem dar expressão a essas ideias. Tais mediadores, longe de se configurarem dispositivos enunciadores neutros e inocentes, na verdade desencadeiam mutações sensoriais eastward intelectuais que serão, muitas vezes, o motor de grandes transformações estéticas (Machado, 1996).

O advento de novos materiais due east novas tecnologias, não somente na arquitetura mas também na música, na pintura, na escultura, sempre revolucionou a arte e abriu caminho para novas formas artísticas. Essa transformação se acentuou a partir practice século Eighteen, com o uso de novos meios mecânicos, como a fotografia e o cinema e, mais ainda, com as tecnologias eletrônicas: a televisão east o computador.

Nesse contexto, a emergência practice capitalismo representa não somente o surgimento de um novo modo de produção econômica como também o surgimento de uma nova ordem cultural, que se expressa na substituição do trabalho manufaturado e artesanal pela produção seriada da linha de montagem, na presença da máquina no processo de produção, na fragmentação exercise trabalho e no envolvimento de um maior número de pessoas na produção, na redução exercise tempo de trabalho empreendido em cada peça produzida, na produção eastward reprodução de peças iguais, na relativização do tempo de durabilidade das peças produzidas que podiam então ser mais facilmente substituídas.

O filósofo Walter Benjamin (1892-1940), associado à Escola de Frankfurt, observou essas transformações no campo da produção artística (Benjamin, 1996). As obras de arte se caracterizavam pela sua exclusividade e existência única. Essa existência única fazia com que as obras de arte só pudessem ser vistas por um número muito restrito de pessoas, e por isso mesmo precisavam ser muito duráveis para que pudessem ser contempladas ao longo dos anos. Sua unicidade, aliada à dificuldade de acesso a essas obras, acabou por gerar um tipo de relação com a arte que era sagrada, que seguia bone rituais de um culto. É certo que ainda hoje obras desse tipo, únicas due east irrepetíveis, continuam sendo produzidas, ou seja, esse modo de produção artística continua vivo due east cumprindo um papel importante na história cultural da humanidade (exemplos: Casulos,de Lygia Clark; Constelação,de Miró etc.). Benjamin chama a atenção para o fato de que as transformações engendradas pelo capitalismo operam na esfera artística mudanças tão profundas que transformaram, inclusive, os modos de relação com a arte no seu todo.

Mas que transformações foram essas? A arte inaugurou sua produção em série com o surgimento da fotografia, exercise cinema etc. A fotografia e o cinema nasceram sob a condição de serem cópias. Não existe um "original" da fotografia; o que existe é o negativo. O filme a que assistimos no picture palace também não é a sua fita original, mas uma montagem de cenas relacionadas, cortadas, editadas. Se a produção nasce de maneira seriada, isso é, em grande quantidade, a exigência de que a obra de arte tivesse uma existência única é posta em questão, e com isso seu critério de valoração deixa de ser a unicidade e passa a ser a quantidade de cópias produzidas. Quanto maior o número de salas que exibirem determinado filme, mais valorizado ele será. Esse tipo de produção vai deixando de ser feito por um único artista e passa a ser produzido de maneira mais coletiva. Entretanto, tais transformações apresentam um aspecto positivo: a reprodução técnica traz em si uma possibilidade de democratização estética, desde que every bit obras de arte conservem equally características daquilo que até então chamaríamos de original. O aparecimento eastward o desenvolvimento de formas de arte (como a fotografia ou o cinema) em que deixa de fazer sentido distinguir entre original e cópia traduzem-se no fim de uma "aura", o que liberta a arte para novas possibilidades.

Contrário ao pensamento de Benjamin, Theodor Adorno due east Max Horkheimer (Adorno, 2006), também associados à Escola de Frankfurt, analisam que toda reprodução contribui para a perda de identidade da originalidade due east está à disposição de uma elite que manipula aqueles que não possuem acesso aos originais por meio de cópias feitas em série, conferindo a todas elas uma característica mercadológica, portanto massificante. Ao contrário disso, Benjamin acredita que isso gera, desde que observadas every bit técnicas, uma politização capaz de moldar o senso crítico daquele que observa.

Benjamin passa a contestar a oposição que se faz entre as massas, que buscariam na obra de arte apenas a distração, e o conhecedor que preza o recolhimento. A massa, segundo Benjamin, possui uma nova atitude diante da obra de arte. Com ela, "a quantidade converteu-se em qualidade". Benjamin critica a posição contrária esclarecendo o que seria distração e recolhimento:

A distração e o recolhimento representam um contraste que pode ser assim formulado: quem se recolhe diante de uma obra de arte mergulha dentro dela e nela se dissolve, como ocorreu com um pintor chinês, segunda a lenda, ao terminar seu quadro. A massa distraída, pelo contrário, faz a obra de arte mergulhar em si, envolve-a com o ritmo de suas vagas, absorve-a em seu fluxo (1996, p. 193).

Essa exposição da visão benjaminiana do picture palace deixa claro o ponto de vista do autor. Ele se distingue das demais posições da chamada Escola de Frankfurt, due east isso no que se refere especificamente ao problema da cultura e do picture palace, embora também em outros pontos que aqui não nos interessam diretamente. Sua posição diante do picture palace e da arte é radicalmente oposta à posição de Adorno; isso envolvia inúmeras outras questões, entre as quais a questão da tecnologia, ressaltadas por Benjamin em sua análise da "reprodutibilidade técnica". Benjamin destacou as possibilidades abertas pela tecnologia e as consequências positivas dessa percepção modificada (especialmente a dessacralização, em relação à concepção de aureola), enquanto Adorno ressaltou every bit consequências negativas due east equally deficiências ali presentes. Para o primeiro, um salto qualitativo para frente; para o segundo, para trás.

Em uma série de respostas epistolares aos ensaios de Benjamin, o teórico crítico da Escola de Frankfurt Theodor Adorno acusou-o de um utopismo tecnológico que a um só tempo fetichizava a técnica e ignorava o seu alienante funcionamento social na realidade. Adorno foi bastante cético com respeito às afirmações de Benjamin sobre equally possibilidades emancipatórias dos novos meios e formas culturais. A celebração benjaminiana exercise movie theatre como um veículo para a consciência revolucionária, para Adorno, ingenuamente idealizava a classe trabalhadora eastward suas aspirações pretensamente revolucionárias (Stam, 2006, p. 86).

Para uma melhor inserção em tal debate, é fundamental examinar o significado de alguns termos para entender melhor essa relação entre arte e tecnologia na História da Arte. Segundo Hauser (2003), na Antiguidade, sobretudo entre bone gregos, arte era entendida como tekhné, que abrangia qualquer prática produtiva, inclusive a produção artística, acentuando o aspecto de execução da obra de arte:

Os gregos não faziam qualquer distinção de princípio entre arte eastward técnica, e esse pressuposto atravessou boa parte da história da cultura ocidental, até pelo menos o Renascimento. Para um homem como Leonardo da Vinci, pintar uma tela, estudar a anatomia humana e a geometria euclidiana due east projetar o esquema técnico de uma máquina constituíam uma única atividade intelectual (Machado, 1996).

A palavra técnica aparece na língua portuguesa somente no século Nineteen due east passa a substituir parcialmente a palavra arte. O português, o francês, o italiano, o alemão e o russo têm estabelecido uma distinção entre técnica due east tecnologia. No inglês essa distinção é mais tênue, e o termo technology engloba muito do que entendemos como técnica. A palavra tecnologia tem origem no grego tekhnologia (tekno + logos); significa o conhecimento científico das operações técnicas ou da técnica (Japiassu, 2006). Tecnologia, assim como técnica, tinha ligação com a arte até o século XIX. O Dicionário Oxford de 1933 ainda registra como um dos significados de technology o discurso ou tratado sobre uma arte ou sobre as artes.

No Brasil, no início practise século XX, a palavra tecnologia foi definida por um engenheiro da Escola Politécnica de São Paulo como "doutrina ou ciência industrial que fundamenta o exercício da engenharia" e seu uso na língua portuguesa seguiu nesse sentido. Fica claro que bone termos técnica e tecnologia migraram exercise campo da arte para o campo da indústria eastward da ciência conforme essas duas esferas cresceram em importância due east atuação na sociedade ocidental. Por outro lado, arte tinha relação com a técnica east com a ciência mais evidente até a separação das duas esferas em campos praticamente opostos a partir exercise século Eighteen. A palavra arte, do latim artis, tem várias definições no dicionário, das quais se destacam: arte como a capacidade que tem o homem de pôr em prática uma ideia valendo-se da faculdade de dominar a matéria; arte como criação de sensações ou estados de espírito de caráter estético; arte como expressão de tais sensações etc.

Arte sempre esteve vinculada à estética. A palavra estética vem do grego aisthesis, que significa tanto conhecimento sensível (percepção) quanto aparência sensível: aquilo que faz apelo aos sentidos (Japiassu, 2006). A estética é também um ramo da filosofia, uma reflexão filosófica sobre a arte, que a define, estuda-a e a classifica, buscando, como toda filosofia, explicações gerais e universais. O objeto e o método da estética dependem do modo como se define arte. Por essa razão, filósofos-estetas elaboraram diferentes tratados estéticos desde a Grécia Antiga até o século XX.

Um ponto comum seria a investigação acerca do que é o belo, o belo capaz de proporcionar prazer aos sentidos ou ao espírito. Atualmente não é mais possível aceitar a estética como impondo regras e modelos universais para a arte. Quem faz arte são bone artistas, e se arte pressupõe criação due east inovação só poderemos teorizar a partir do produto gerado, e não antes. Com a dilatação do conceito de arte a partir da segunda metade do século XVIII, o conceito de belo também muda. Antes do advento dos produtos industrializados, a beleza era vista como harmonia das partes, perfeição; era dissociada da utilidade. A partir practice século Xix, começa-se a pensar na beleza como adequação a um fim.

Arte é uma atividade que une realização com invenção due east descoberta. Sua tarefa é libertar a capacidade humana dos esquemas limitativos da vida prática, levar o homem a tomar consciência, em todas as ocasiões, de que as atitudes que pode tomar diante da vida são inesgotáveis, como a própria realidade – que tem um caráter múltiplo east complexo. A arte não está isolada practice resto da realidade; entre a arte e as outras atividades do homem não há um abismo, há antes uma passagem gradual, níveis diferentes de inventividade. Da execução técnica de um projeto à invenção mais original há um exercício do fazer que se estende das formas mais elementares do ofício à mais pura criação estética.

Nesse sentido, a arte, como técnica produtora de símbolos de comunicação estética, foi considerada na fronteira entre every bit técnicas que se podiam aprimorar eastward equally que, pela própria natureza, permaneciam imutáveis. Essa situação ambígua tornou-se preponderante na época moderna. Na verdade, a técnica com que é realizada a arte é um dos mais importantes aspectos de sua existência, tão importante que se torna difícil, senão impossível, separar produção estética de técnica artística. E, por mais que se queira ver na a arte uma possível essência "inefável", qualquer avanço das técnicas autocorretivas traz um avanço concomitante na produção estética.

Somos contemporâneos de um momento de reinvenção da relação arte-tecnologia, em que a hibridação entre arte, ciência e pensamento produz novos paradoxos east questões. Relação que não é nova, mas que sem dúvida é problematizada de forma aguda no contexto atual, em que a arte busca revitalização e acha nas tecnologias emergentes um campo de experimentação. Hoje poderíamos dizer que a arte contemporânea, em sua relação com o tecnológico, passa por uma nova série de configurações, ou melhor, dissoluções de fronteiras que se realizam em situações-limite produzidas por diferentes processos geradores de objetos artísticos "paradoxais" a meio caminho entre o científico eastward o estético.

Referências bibliográficas

ADORNO, Theodor. Teoria Estética. Lisboa: Edições 70, 2006.

BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas five. ane e v. 2. São Paulo: Brasiliense, 1994.

HAUSER, Arnold. História Social da arte e da literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

MACHADO, Arlindo. Máquina east imaginário: o desafio das poéticas tecnológicas. São Paulo: Edusp, 1996.

JAPIASSU, Hilton Ferreira. Dicionário básico de filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.

STAM, Robert. Introdução à teoria do picture palace. Campinas: Papirus, 2006.

Publicado em 04/10/2011

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Source: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/11/39/a-arte-natildeo-existe-sem-a-teacutecnica-relaccedilatildeo-entre-arte-e-tecnologia

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